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sexta-feira, 10 de julho de 2015

O Encontro entre Dietrich von Hildebrand e Paulo VI

Por The Latin Mass Magazine - verão (nos EUA) de 2011
Traduzido do inglês da postagem de Peter Kwasniewski, no Rorate Cæli - 20 de junho, 2015
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Obs.:
- TLM: traditional latin Mass (Missa tradicional latina [Missa tridentina])
- AVH: (Drª.) Alice Von Hildebrand
- Os destaques em negrito são de autoria da fonte. Os destaques sublinhados, são deste blog.

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TLM: Drª von Hildebrand, no momento em que o Papa João XXIII convocou o Concílio Vaticano II, a senhora percebeu qualquer necessidade de uma reforma dentro da Igreja?

AVH: A maioria das percepções sobre isto vem do meu marido. Ele sempre disse que os membros da Igreja, devido aos efeitos do pecado original e pecado atual, estão sempre na necessidade de reforma. O ensinamento da Igreja, no entanto, é de Deus. Não há nada a ser alterado ou considerado em necessidade de reforma.

TLM: Em termos da presente crise, quando a senhora percebeu que algo estava terrivelmente errado?

AVH: Foi em fevereiro de 1965. Eu estava tendo um ano sabático em Florença. Meu marido estava lendo um jornal teológico, e de repente eu o ouvi cair em prantos. Corri até ele, temerosa de que seu coração lhe tinha causado dor de repente. Perguntei-lhe se ele estava bem. Ele me disse que o artigo que ele estava lendo o havia fornecido certa percepção de que o diabo tinha entrado na Igreja. Lembre-se, meu marido foi o primeiro proeminente alemão a falar publicamente contra Hitler e os nazistas. Suas idéias eram sempre prescientes (de pressentimento).

[...]

TLM: Seu marido achava que o declínio no sentido do sobrenatural começou em torno desse tempo, e em caso afirmativo, como ele explica isso?

AVH: Não, ele acreditava que após a condenação de Pio X da heresia do Modernismo, seus proponentes simplesmente passaram à clandestinidade. Ele dizia que, depois, eles fizeram uma abordagem muito mais sutil e prática. Eles espalharam dúvida simplesmente levantando questões sobre as grandes intervenções sobrenaturais em toda a história da salvação, como o nascimento virginal e a virgindade perpétua de Nossa Senhora, bem como a Ressurreição e a Sagrada Eucaristia. Eles (os modernistas) sabiam que uma vez que a fé - a fundação - cambaleia, a liturgia e os ensinamentos morais da Igreja iriam seguir o exemplo. Meu marido intitulou um de seus livros de “A Vinha Devastada”. Depois do Vaticano II, um tornado parecia ter atingido a Igreja. ... A aversão ao sacrifício e redenção ajudou na secularização da Igreja a partir de dentro. Temos ouvido por muitos anos de sacerdotes e bispos sobre a necessidade de a Igreja adaptar-se ao mundo. Grandes papas, como São Pio X disse exatamente o oposto: o mundo deve adaptar-se à Igreja.
[...]

Houve dois livros publicados na Itália nos últimos anos que confirmam o que o meu marido vinha suspeitando há algum tempo; ou seja, que tenha havido uma infiltração sistemática da Igreja pelos inimigos diabólicos por muito deste século. Meu marido era um homem muito sanguíneo e otimista por natureza. Durante os últimos dez anos de sua vida, no entanto, eu o testemunhei muitas vezes em momentos de grande tristeza, e freqüentemente repetindo: "Eles profanaram a Santa Noiva de Cristo”. Ele estava se referindo à "abominação da desolação" de que o profeta Daniel fala*.

TLM: Esta é uma admissão crítica, Drª von Hildebrand. Seu marido havia sido chamado de um Doutor do século XX da Igreja pelo Papa Pio XII. Se ele se sentia tão fortemente, não tinha ele acesso ao Vaticano para dizer ao Papa Paulo VI de seus medos?

AVH: Mas ele fez! Jamais esquecerei a audiência privada que tivemos com Paulo VI logo antes do final do Concílio. Foi em 21 de junho de 1965. Assim que meu marido começou a apelar para que ele condenasse as heresias que estavam desenfreadas, o Papa interrompeu-o com as palavras, "Lo scriva, lo scriva." ("Escreva, escreva")  Alguns momentos depois, pela segunda vez, meu marido esboçou a gravidade da situação para o conhecimento do Papa. A mesma resposta. Sua Santidade nos recebeu em pé. Ficou claro que o Papa estava se sentindo muito desconfortável. A audiência durou apenas alguns minutos. Paulo VI deu imediatamente um sinal ao seu secretário, Pe. Capovilla, para nos trazer rosários e medalhas. Então voltamos a Florença onde meu marido escreveu um longo documento (não publicado hoje) que foi entregue a Paulo VI justamente um dia antes da última sessão do Concílio. Era setembro de 1965. Depois de ler o documento do meu marido, ele [o papa] disse ao sobrinho do meu marido, Dieter Sattler, que havia se tornado o embaixador alemão junto à Santa Sé, que ele tinha lido o documento cuidadosamente, mas que "era um pouco duro". A razão era óbvia: meu marido tinha humildemente solicitado uma clara condenação das afirmações heréticas.

TLM: Você percebe, é claro, Doutora, que, assim como você menciona essa ideia de infiltração, há aqueles que reviram os olhos em exasperação e dizem "Mais uma teoria da conspiração, não".

AVH: Eu só posso dizer o que eu sei. É uma questão de registro público, por exemplo, que Bella Dodd, a ex-comunista que se reconverteu à Igreja, falou abertamente da deliberada infiltração de agentes do Partido Comunista nos seminários. Ela disse ao meu marido e a mim que quando ela era membro ativa do partido, ela havia lidado com nada menos do que quatro cardeais dentro do Vaticano "que estavam trabalhando para nós”.

Muitas vezes eu ouvi americanos dizerem que os europeus "cheiram conspiração onde quer que vão." Mas desde o início, o Maligno tem "conspirado" contra a Igreja - e sempre procurou em particular destruir a Missa e minar a crença na Real Presença de Cristo na Eucaristia. Que algumas pessoas são tentadas a ignorar esse fato inegável fora de proporção não é razão para negar sua realidade. Por outro lado, eu, nascida Europeia, sou tentada a dizer que muitos americanos são ingênuos; vivendo em um país que tem sido abençoado por paz, e sabendo pouco sobre a história, eles são mais propensos do que os europeus (cuja história é tumultuada) a serem vítimas de ilusões. Rousseau teve uma enorme influência nos Estados Unidos. Quando Cristo disse aos Seus Apóstolos na Última Ceia que "um de vós irá me trair", os apóstolos ficaram atordoados. Judas jogou tão ardilosamente que ninguém suspeitou dele, pois um conspirador astuto sabe como cobrir seus rastros com um show da ortodoxia.

TLM: Os dois livros pelo padre italiano que você mencionou antes da entrevista contém documentação que provaria esta infiltração?

AVH: Os dois livros que mencionei foram publicados em 1998 e 2000 por um padre italiano, Dom Luigi Villa da diocese de Brescia, que a pedido do Padre Pio dedicou muitos anos de sua vida à investigação da possível infiltração de ambos os maçons e comunistas dentro da igreja. Meu marido e eu conhecemos Dom Villa na década de sessenta. Ele afirma que não faz qualquer declaração que ele não possa comprovar. Quando (o livro) “Paulo Sexto, Beato?” (1998) foi publicado, o livro foi enviado a cada bispo italiano. Nenhum deles reconheceu o recebimento; nenhum deles desafiou as alegações de Dom Villa.

Neste livro, ele relata algo que nenhuma autoridade eclesiástica refutou nem pediu para ser retratado - mesmo ele nomeando personalidades particulares no que diz respeito ao incidente. Compete ao racha entre o Papa Pio XII e o então Bispo Montini (futuro Papa Paulo VI) que era seu subsecretário de Estado. Pio XII, consciente da ameaça do comunismo, que no rescaldo da II Guerra Mundial havia dominando quase metade da Europa, tinha proibido os funcionários do Vaticano de lidarem com Moscou. Para sua decepção, ele foi informado um dia através do Bispo de Upsala (Suécia) de que sua ordem estrita havia sido violada. O Papa resistiu dando crédito a esse rumor até que a ele foram dadas provas incontestáveis ​​de que Montini tinha se correspondido com várias agências soviéticas. Enquanto isso, o Papa Pio XII (como tinha feito Pio XI) havia enviado sacerdotes clandestinamente à Rússia para dar conforto aos católicos por trás da Cortina de Ferro. Cada um deles tinha sido sistematicamente preso, torturado e executado ou enviado para o gulag**. Eventualmente, uma toupeira no Vaticano foi descoberta: Alighiero Tondi, SJ, que era um conselheiro próximo de Montini. Tondi era um agente trabalhando para Stalin cuja missão era manter Moscou informada sobre as iniciativas tais como o envio de sacerdotes para a União Soviética.

Adicione a isso o tratamento do Papa Paulo ao Cardeal Mindszenty. Contra sua vontade, Mindszenty foi ordenado pelo Vaticano a deixar Budapeste. Como quase todos sabem, ele havia escapado dos Comunistas e buscou refúgio na embaixada americana. O Papa havia lhe dado sua promessa solene de que ele permaneceria primaz da Hungria enquanto ele vivesse. Quando o cardeal (que havia sido torturado pelos Comunistas) chegou a Roma, Paulo VI abraçou-o calorosamente, mas, em seguida, o enviou para o exílio em Viena. Pouco tempo depois, este santo prelado foi informado de que havia sido rebaixado e substituído por alguém mais aceitável para o governo comunista húngaro. Mais intrigante e tragicamente triste, é o fato de que, quando Mindszenty morreu, nenhum representante da Igreja esteve presente no seu enterro.

Outra das ilustrações de Dom Villa da infiltração é um relacionado a ele pelo Cardeal Gagnon. Paulo VI tinha pedido a Gagnon para encabeçar um inquérito sobre a infiltração da Igreja por inimigos poderosos. Cardeal Gagnon (na época um Arcebispo) aceitou essa tarefa desagradável, e compilou um longo dossiê, rico em fatos preocupantes. Quando o trabalho foi concluído, ele solicitou uma audiência com o Papa Paulo, a fim de entregar pessoalmente o manuscrito para o Pontífice. O pedido de reunião foi negado. O Papa mandou dizer que o documento deveria ser colocado nos escritórios da Congregação para o Clero, especificamente em um cofre com um bloqueio duplo. Isso foi feito, mas no dia seguinte o cofre foi quebrado e o manuscrito desapareceu misteriosamente. A política usual do Vaticano é certificar-se de que a notícia de tais incidentes nunca veja a luz do dia. No entanto, este roubo foi noticiado até no L'Osservatore Romano (talvez sob pressão porque isso tinha sido noticiado na imprensa secular). Cardeal Gagnon, é claro, tinha uma cópia, e novamente solicitou ao papa uma audiência privada. Mais uma vez seu pedido foi negado. Ele então decidiu deixar Roma e retornar à sua terra natal, no Canadá. Mais tarde, ele foi chamado de volta a Roma pelo Papa João Paulo II e feito cardeal.

TLM: Por que Dom Villa escreveu essas obras em particular criticando Paulo VI?

AVH: Don Villa relutantemente decidiu publicar os livros aos quais aludi. Mas quando vários bispos empurraram a beatificação de Paulo VI, este sacerdote percebeu que era uma convocação para imprimir a informação que ele havia reunido ao longo dos anos. Ao fazê-lo, ele estava seguindo as orientações de uma Congregação Romana, informando aos fiéis que era seu dever como membros da Igreja transmitir à Congregação qualquer informação que poderia vir a obstar as qualificações do candidato para a beatificação.

Considerando o pontificado tumultuoso de Paulo VI, e os sinais confusos que ele estava dando, por exemplo: o falar sobre a "fumaça de Satanás que tinha entrado na Igreja", mas recusando-se a condenar oficialmente as heresias; a promulgação da ‘Humanae Vitae’ (a glória de seu pontificado), mas seu cuidado em evitar proclamar isso ex cathedra; entregando seu Credo do Povo de Deus, na Piazza San Pietro em 1968, e mais uma vez não declarando obrigatório a todos os católicos; desobedecendo as ordens estritas de Pio XII de não ter nenhum contato com Moscou e apaziguando o governo comunista húngaro ao renegar a promessa solene que havia feito ao Cardeal Mindszenty; seu tratamento do santo Cardeal Slipyj, que passou 17 anos em um Gulag, apenas para ser feito prisioneiro virtual no Vaticano por Paulo VI; e, finalmente, solicitando ao Arcebispo Gagnon para investigar a possível infiltração no Vaticano, apenas para recusá-lo uma audiência quando o trabalho fosse concluído - tudo isso fala fortemente contra a beatificação de Paolo VI, apelidado em Roma, "Paolo Sesto, Mesto" (Paulo VI, o triste). ...

Só Deus é o juiz de Paulo VI. Mas não se pode negar que seu pontificado foi muito complexo e trágico. Foi sob ele que, no decurso de 15 anos, mais mudanças foram introduzidas na Igreja que em todos os séculos anteriores combinados. O que é preocupante é que quando lemos o testemunho de ex-comunistas como Bella Dodd, e estudamos documentos maçônicos (que datam do século XIX, e geralmente escritos por sacerdotes dissidentes como Paul Roca), podemos ver que, em grande medida, a agenda (maçônica) foi realizada: o êxodo de sacerdotes e freiras após o Vaticano II, teólogos dissidentes não censurados, o feminismo, a pressão sobre a Roma para abolir o celibato sacerdotal, imoralidade no clero, liturgias blásfemas (ver o artigo de David Hart em First Things, abril de 2001, "O Futuro do Papado"), as mudanças radicais que foram introduzidas na sagrada liturgia (ver livro Milestones do Cardeal Ratzinger, pp. 126 e 148), e um ecumenismo enganador. Só um cego poderia negar que muitos dos planos do Inimigo têm sido perfeitamente realizados.


Filósofo e teólogo Dietrich von Hildebrand
(foto de internet)

*   Daniel IX, 27 (mencionado em S. Mateus XXIV, 15);
** Campos de trabalho forçado criados na União Soviética (URSS), após a Revolução Comunista de 1917 para abrigar criminosos e opositores do Estado.

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Comentário do blog:

Dietrich von Hildebrand foi um filósofo e teólogo alemão, nascido em Florença na Itália em 11 de outubro de 1889. Faleceu em 26 de janeiro de 1977.
De origem protestante, se converteu ao catolicismo em 1914 e era filho do respeitado escultor alemão, Adolf von Hildebrand.
Sendo opositor de Hitler, teve que refugiar-se na Áustria onde fundou um jornal antinazista e cristão chamado ‘Christliche Ständestaat’ (‘O Estado Corporativo Cristão’ em alemão) que o levou a ser novamente perseguido pelos nazistas após estes anexarem a Áustria em 1938. Em virtude disso teve novamente que fugir. Ficou alguns meses nas montanhas suíças, em seguida indo para a França. Novamente foi obrigado a fugir em virtude na invasão nazista na França onde conseguiu escapar com sua família para Portugal, depois para o Brasil e finalmente para Nova York nos Estados Unidos onde passou o restante da sua vida, primeiramente com sua esposa Margaret Denck que veio a falecer em 1957 e depois com a também teóloga e filósofa católica Alice, com quem veio a se casar dois anos após o falecimento da sua primeira esposa Margaret.

Foi autor de vários livros e um dos fundadores da 'Una Voce America', uma federação internacional de associações dedicada à preservação da Missa de São Pio V (missa tridentina) e restauração do uso do latim, canto gregoriano e a polifonia sacra na liturgia católica.
S.S. Pio XII chamava Dietrich de o Doutor da Igreja do Século XX.
Em 2000, sua esposa Drª Alice von Hildebrand lançou o livro "The Soul of a Lion: The Life of Dietrich von Hildebrand" (A Alma de um Leão: A Vida de Dietrich von Hildebrand) pela editora Ignatius Press sobre a vida de seu marido.

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